Universidades municipais pagas: expansão, conflito e a decisão do STF que pode frear modelos inovadores
No Brasil, poucas universidades municipais fogem ao padrão de ensino gratuito e algumas delas ainda se expandem para atuar fora de seu município-sede.
A UniRV (Universidade de Rio Verde/GO)
, da UNITAU (Universidade de Taubaté/SP)
e do Centro Universitário de Mineiros (UNIMES)
são exemplos dessas instituições: cobram mensalidades consideradas acessíveis, atraem estudantes de várias cidades e têm índices de aprovação e empregabilidade reconhecidos localmente.
Porém, em 2025, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino
determinou a suspensão de novas matrículas nessas universidades municipais que atuam fora dos limites territoriais de seus municípios e cobram mensalidades. O recuo parcial recente permite continuidade temporária em câmpus já existentes, mas bloqueia novas expansões. A controvérsia suscitou debates acalorados: seria essa medida constitucional ou uma forma de proteger universidades privadas que se sentem ameaçadas pela concorrência?
Nesta reportagem, investigamos: quem são essas universidades municipais pagas, como funcionam, qual é seu desempenho, quem são seus beneficiários, quais os argumentos jurídicos em jogo e quais impactos para a educação superior brasileira.
Contexto: o que são universidades municipais e como surgiu o modelo pago
O perfil das universidades municipais
No Brasil, universidades públicas normalmente são federais ou estaduais e oferecem ensino gratuito. As universidades municipais, por sua natureza, são mantidas pelas administrações municipais — e são um fenômeno bastante raro no país. (Wikipédia)
A Constituição de 1988 (Art. 206, § 1º, II) prevê a gratuidade do ensino público, mas há interpretações e exceções relativas ao nível superior, especialmente quanto a instituições municipais. (CartaCapital)
Segundo análise da AMIES (Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior), há cerca de 70 instituições municipais de ensino superior no Brasil, distribuídas em 58 municípios. (Migalhas)
Essas instituições normalmente não visam lucro e muitas vezes se justificam com forte caráter social, regional e de interiorização do ensino. (Wikipédia)
O modelo de cobrança de mensalidades
Uma particularidade do modelo municipal é que muitas delas cobram mensalidades dos estudantes — “valor justo” ou “acessível”, segundo seus dirigentes — mas não funcionam exatamente como universidades privadas.
A cobrança de mensalidades em instituições públicas municipais é um tema controverso do ponto de vista jurídico: críticos argumentam que pode ferir o princípio da gratuidade do ensino público, enquanto defensores alegam que a municipalidade pode estabelecer regimes próprios para garantir sustentabilidade financeira e acessibilidade.
Em decisões judiciais recentes, esse modelo está sendo questionado no STF, com decisões cautelares que suspendem novas matrículas nessas universidades municipais que atuam fora de seus municípios-sede e cobram mensalidades. (CartaCapital)
UniRV (Universidade de Rio Verde/GO), da UNITAU (Universidade de Taubaté/SP) e do Centro Universitário de Mineiros (UNIMES)
Destaques positivos
UniRV (Rio Verde/GO)
Forte inserção prática e serviços à comunidade por meio de clínicas-escola e Núcleo de Prática Jurídica, integrando extensão e estágio à formação. (Universidade de Rio Verde)
Rede multi-campi (Rio Verde, Aparecida de Goiânia, Goianésia, Formosa, etc.), ampliando acesso regional. (Universidade de Rio Verde)
Transparência sobre política de descontos (desconto de pontualidade e orientações financeiras). (Universidade de Rio Verde)
UNITAU (Taubaté/SP)
Hospital Universitário próprio (HU/HMUT) com 182 leitos e múltiplas clínicas – campo de prática robusto para Medicina e áreas da saúde. (Universidade de Taubaté)
Estrutura de extensão consolidada (PREX), com gestão de serviços de saúde e oferta contínua de campos de estágio. (Universidade de Taubaté)
UNIFIMES (Mineiros/GO)
Valores acessíveis em vários cursos (ex.: Administração, Direito, Eng. Civil com desconto de pontualidade divulgado). (unifimes.edu.br)
Diferenciais regionais: serviços à comunidade (análise de sementes/solos, clínica veterinária, produção de mudas)
Investimentos em infraestrutura prática (ex.: centro/serviços de saúde animal) para formação hands-on.
Conclusão prática
Estrutura prática: UNITAU se destaca pelo Hospital Universitário; UniRV e UNIFIMES se destacam por clínicas-escola e serviços comunitários, úteis para comunicação institucional. (Universidade de Taubaté)
A decisão judicial do STF e seus argumentos
A ação (ADPF 1.247) e a liminar de suspensão de novas matrículas
A ação foi proposta por AMIES, que questiona a legalidade de universidades municipais que se expandem territorialmente e cobram mensalidades.
Em agosto de 2025, o ministro Flávio Dino concedeu liminar que suspende o ingresso de novos alunos em universidades municipais que exercem atividade fora de seus municípios-sede e cobram mensalidades.
O fundamento jurídico principal é que o ensino público superior deve ser gratuito, salvo exceções constitucionais (cursos de pós-graduação, instituições já existentes antes da Constituição de 1988, etc.). (CartaCapital)
O ministro considerou que algumas universidades municipais poderiam violar o princípio da gratuidade e que a expansão pode ser considerada ultrapassagem dos limites legais para atuação municipal. (Notícias STF)
A liminar não afeta alunos já matriculados, mas impede novas matrículas nas circunstâncias descritas até decisão final do STF. (CartaCapital)
A reconsideração parcial e seus efeitos
Em 16 de setembro de 2025, o ministro Flávio Dino reconsiderou parcialmente sua decisão, autorizando temporariamente que universidades municipais já em funcionamento com câmpus externos continuem matriculando novos alunos e cobrando mensalidades.
No entanto, manteve a proibição de criar novos câmpus ou cursos fora da cidade-sede, e só permitiu esse regime para instituições municipais existentes antes da Constituição de 1988 (interpretadas como exceções constitucionais).
O argumento usado é que impedir novas matrículas em cursos já consolidados poderia comprometer a sustentabilidade financeira das instituições e prejudicar alunos e professores.
A liminar revisada permanece em vigor até o julgamento de mérito pelo plenário.
Posições jurídicas e críticas
Argumentos favoráveis à liminar / intervenção judicial:
Princípio da gratuidade do ensino público
A Constituição prevê que o ensino público, em todo o território nacional, deve ser gratuito (Art. 206, § 1º, II).
Cobrar mensalidades de cursos de graduação pode ser interpretado como violação desse princípio.
Competência normativa federal e controle centralizado
A União e o MEC têm competência para regular o ensino superior; expansão de universidades municipais pode conflitar com políticas nacionais, duplicação de oferta em locais sem coordenação, concentração ou subutilização.
A criação de novos câmpus implica interferência no planejamento do sistema nacional de educação.
Limites da atuação municipal
Os municípios não teriam competência plena para ofertar ensino superior com cobertura interestadual ou em múltiplos municípios sem respaldo legal expresso.
A expansão geométrica pode transformar instituições municipais em “quase-universidades privadas disfarçadas” com proteção pública.
Efeito sobre desigualdades e concorrência desigual
Pode haver distorções de concorrência com instituições privadas que operam “strictu sensu” no mercado educacional.
Em casos extremos, a precariedade ou dispersão de câmpuspode afetar a qualidade do ensino.
Argumentos contrários à liminar / em defesa das universidades municipais pagas:
Função social, interiorização e acesso regional
Universidades municipais como UniRV (Universidade de Rio Verde/GO), da UNITAU (Universidade de Taubaté/SP) e do Centro Universitário de Mineiros (UNIMES) muitas vezes operam em municípios onde não há instituições de ensino superior privadas ou estaduais, contribuindo para a interiorização do ensino.
Elas atendem públicos de menor renda, muitas vezes cobrando valores inferiores aos praticados pelas instituições privadas e com compromisso social.
Sustentabilidade financeira e regime próprio de custeio
Para manter qualidade (professores, laboratórios, infraestrutura), essas universidades dependem de receitas de mensalidades, já que os cofres municipais são insuficientes para arcar com todos os custos.
Impedir novas matrículas pode comprometer o modelo financeiro e levar ao colapso de câmpus ou cursos já estabelecidos.
Princípio da autonomia universitária e inovação institucional
A restrição à expansão poderia tolher modelos experimentais inovadores e reduzir a pluralidade da oferta de educação superior pública.
Instituições que demonstram resultados positivos e aceitação popular teriam o direito de crescer e atender demanda.
Prejuízos ao estudante e à liberdade de escolha
Se o bloqueio for mantido, estudantes em municípios “fora da sede” perderão a alternativa de ensino de qualidade a preços mais acessíveis, ficando reféns apenas de instituições privadas ou de deslocamento a cidades maiores.
Alunos que esperam ingressar em cursos nos câmpus externos podem ficar sem opção.
Argumento constitucional das exceções para instituições já existentes
A Constituição admite exceções: cursos de pós-graduação e instituições municipais já existentes antes da CF de 1988, e em algumas interpretações, instituições que se expandiram sob regimes próprios.
Os defensores dizem que o bloqueio total fere essas exceções e desrespeita a segurança jurídica de instituições consolidadas.
O foco da controvérsia: proteção privada ou defesa constitucional?
A controvérsia central é: Flávio Dino e o STF estão agindo em defesa estrita da Constituição ou favorecendo interesses de universidades privadas que se sentem ameaçadas com modelos municipais pagas bem-sucedidas?
Há conjecturas e acusações por parte de dirigentes e simpatizantes das universidades municipais de que a ação teria motivação política ou de mercado — ou seja, proteção dos interesses privados diante da concorrência emergente.
Porém, até onde se pode apurar em registros públicos, a ação foi movida por uma associação privada (AMIES) e acatada pelo STF com base em fundamentos constitucionais, não necessariamente motivada por lobby explícito.
Ainda assim, a medida tende a privilegiar as instituições já estabelecidas (muitas privadas) e frear a expansão de novos modelos públicos municipais pagas que poderiam “roubar mercado”.
A regra que limita expansão de campi externos favorece que as grandes instituições continuem monopolizando determinadas regiões, dificultando a chegada de alternativas mais locais e econômicas.
Impactos potenciais na economia, no ensino e no futuro institucional
Para estudantes
Bloqueio de novas matrículas pode gerar escassez de vagas nos municípios menores ou periféricos, obrigando estudantes a se deslocarem ou dependerem de instituições privadas com mensalidades mais altas.
Pode afetar aqueles que já planejam ingressar nos campi externos especialmente em cursos de medicina ou áreas com forte demanda.
Para as universidades municipais
Risco de quebra financeira de câmpus ou cursos em expansão, se dependerem da receita de novas matrículas para manutenção.
Inibição do crescimento institucional e limitação da capacidade de atender demanda regional crescente.
Prejuízo à lógica de interiorização do ensino superior de qualidade.
Para o sistema de ensino superior
Reforço da concentração: as universidades estaduais e federais já dominam o setor público gratuito, enquanto o setor privado permanece forte em muitas regiões. Reprimir modelos públicos pagos municipais poderia consolidar essa concentração.
Redução da diversidade institucional e inibição de novas experimentações no modelo público.
Potencial aumento da desigualdade geográfica no acesso ao ensino superior.
Para a economia regional
Universidades municipais costumam gerar efeitos de desenvolvimento local: mobilidade, consumo, prestação de serviços (clínicas, laboratórios, hospitais universitários) e atração de residentes.
Ao cercear a expansão, municípios menores ou regiões periféricas podem perder oportunidades de crescimento e retenção de talentos locais.
A formação de profissionais nesses locais, muitas vezes com compromisso local, pode contribuir para a força de trabalho regional e diminuir migração.
Conclusão: os riscos de frear instituições de sucesso
A liminar do STF que suspende novas matrículas em universidades municipais pagas que atuam fora de sua cidade-sede, embora parcialmente revista, coloca em xeque modelos de educação pública menos comuns e inovadores. Se essas instituições como UniRV (Universidade de Rio Verde/GO), da UNITAU (Universidade de Taubaté/SP) e do Centro Universitário de Mineiros (UNIMES), efetivamente oferecem ensino de qualidade, atendem demandas regionais não supridas por outras instituições e mantêm sustentabilidade com mensalidades acessíveis, por que impedir sua expansão?
A disputa esbarra em duas ordens: constitucional e política. Do ponto de vista constitucional, há justificativas claras o princípio da gratuidade do ensino público e limites ao poder municipal. Mas do ponto de vista prático e institucional, a medida pode favorecer as universidades privadas incumbentes, perpetuar desigualdades e tolher o surgimento de novas alternativas públicas.
A pergunta colocada originalmente permanece: o STF está agindo estritamente conforme a constituição ou acatando interesses privados encobertos? Ainda é cedo para uma resposta definitiva, mas cabe aos tribunais superiores, especialistas em educação e à sociedade acompanhar de perto o julgamento final, exigindo transparência, critérios técnicos e preservação do princípio do direito ao ensino.